AF-1 Falcão: O velho guerreiro da marinha do brasil

Skyhawks Marinha do Brasil

A história dos Skyhawks brasileiros teve seu primeiro o com a do Decreto Presidencial nº 2538, de 8 de abril de 1998, conhecido como “Lei da Asa Fixa”, que permitiu à Marinha do Brasil operar depois de quase 50 anos de restrições, aeronaves de asa fixa.

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A Marinha estipulou rapidamente os requerimentos para a aeronave: capacidade de ataque marítimo, boa autonomia e possibilidade de operação em bases terrestres e porta-aviões. A competição contou com quatro jatos: os estadunidenses Vought A-7 Corsair II e McDonnell Douglas A-4 Skyhawk, o britânico British Aerospace Harrier e o francês Dassault Super Étendard.

Apesar do Super Étendard ser o preferido pela Marinha, devido a experiência prévia das forças armadas com a manutenção e operação dos aviões Dassault – a época, a FAB operava os Mirage III – e a enorme capacidade dessas aeronaves (provada na Guerra das Malvinas), o valor pedido pelas aeronaves foi considerado alto demais para os minguados recursos a disposição.

O mesmo fator contribuiu para que o BAE Harrier também saísse do páreo, enquanto o A-7 Corsair II, apesar do preço atrativo e boa capacidade, se demonstrava pesado e grande demais para operar a bordo do antigo porta-aviões brasileiro NAeL Minas Gerais.

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Assim, a escolha recaiu sobre os pequenos e capazes A-4 Skyhawk. Os modelos mais atrativos disponíveis no mercado eram um lote de 23 unidades, fabricadas entre 1977 e 1978, e que estavam entre os últimos A-4 produzidos pela McDonnell-Douglas.

Os modelos pertenciam à família A-4M Skyhawk II, sendo uma versão especial de exportação para a Força Aérea do Kuwait, sob a designação A-4KU. As diferenças entre os dois modelos eram a simplificação dos aviônicos, além da remoção da capacidade de uso de armas nucleares e táticas, como os mísseis anti-radiação Shrike e a bomba inteligente Walleye.

Skyhawks
Por um breve período de tempo, os AF-1 brasileiros mantiveram a camuflagem padrão-deserto, uma herança dos seus ex-donos. Créditos: Desconhecido

Apesar de considerados “semi-novos”, os A-4KU haviam tido uma vida agitada, aguentando durante duas décadas as condições climáticas adversas do deserto das arábias. Além disso, essas aeronaves participaram ativamente de combates pela Força Aérea Kuwaitiana, especialmente durante a Guerra do Golfo, antes de chegarem às mãos dos militares brasileiros.

A transação entre Brasil e Kuwait foi intermediada pelos Estados Unidos, com o negócio sendo avaliado em US$70 milhões à época. No pacote, foram fornecidos 20 monopostos A-4KU e três modelos bipostos do tipo TA-4KU.

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INTRODUÇÃO EM SERVIÇO

As aeronaves chegaram encaixotadas no Brasil no dia 5 de setembro de 1998, sendo desembarcadas em Arraial do Cabo, litoral do estado do Rio de Janeiro. Assim que os trâmites aduaneiros foram resolvidos, as aeronaves foram transferidas para a Base Aérea Naval de São Pedro da Aldeia (BAeNSPA), o centro nervoso das unidades aéreas da força naval.

O recebimento dos modelos seria apenas a primeira etapa no processo, que culminaria com a formalização da criação do 1º Esquadrão de Aviões de Interceptação e Ataque (EsqdVF-1), designado como “Esquadrão Falcão”, em outubro de 1998.

Outros fatores alheios corriam em paralelo com o recebimento das aeronaves, tais como a montagem de toda a infraestrutura necessária para a chegada e operação dos aviões, incluindo adequações na própria estrutura física da BAeNSPA, construção do hangar, prédio istrativo, reforma e ampliação da pista de pousos e decolagens, aquisição de equipamentos de apoio e a escolha e treinamento das Praças e Oficiais da nova Unidade Aérea.

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Junto com a base, as aeronaves ariam por um enorme processo de remontagem e checagem de todos os componentes, que seria completado somente no começo de 2000. Além disso, as ex-aeronaves Kuwaitianas aram por outras mudanças, para se adaptarem aos seus novos donos. A primeira delas foi sua redenominação: os A-4KU receberam a designação AF-1 “Falcão”, enquanto os TA-4KU viraram os AF-1A.

A seguir, foi a vez de uma mudança cosmética. Devido a seus donos anteriores, os A-4 chegaram ao Brasil com uma camuflagem adaptada ao deserto, com padrões marrom e areia, que obviamente não atendia aos padrões e exigências da Marinha do Brasil. Assim, uma boa camada de tinta em três tons de cinza e a colocação da insígnia tricolor verde-amarelo-azul sobre o motor deram os toques finais no modelo, antes dos testes iniciais de voo.

Por falta de pessoal especializado na pilotagem do modelo no Brasil, a Marinha subcontratou pilotos americanos para realizar os primeiros testes, enquanto a primeira turma de pilotos do VF-1 ava por treinamentos no Brasil, Argentina e nos EUA. O primeiro voo do rebatizado AF-1 “Falcão” aconteceu em 27 de março de 2000, sob o comando do Tenente-Coronel (USMC) James Edwin Rogers.

Em maio foi a vez dos pilotos da Marinha do Brasil ganharem os céus, com o Capitão-Tenente Aviador-Naval José Vicente de Alvarenga Filho tornando-se o primeiro Piloto da MB a voar o A-4/AF-1 sobre território nacional.

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OPERANDO DE PORTA-AVIÕES

À medida que o esquadrão VF-1 ganhava experiência e volume em operações na BAeNSPA, atestando a sua capacidade operacional máxima em fins de 2000, era chegada a hora do próximo o na evolução da unidade: a adaptação do esquadrão para seu fim originário, que era a operação a partir de sua “base flutuante”, ou seja, do porta-aviões NAeL Minas Gerais (A-11).

Incorporado a esquadra em 1960, a embarcação havia ado por uma extensa reforma em 1999 para acomodar as esperadas operações dos AF-1, visto que, anteriormente, as aeronaves mais potentes a operar na belonave haviam sido os Grumman S-2 Tracker (P-16A) turboélices.

Principalmente, as modificações no porta-aviões tinham foco no sistema de comunicações, com a introdução da Estação Móvel Naval de Comunicações por Satélite (EMN) integrada ao Sistema de Comunicações Militares por Satélite (SISCOMIS), além de atualizações nos sistemas de decolagem (catapultas) e pousos (vetoração e ganchos).

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Skyhawks
A extensão do poderio aéreo da MB com operações em porta-aviões sempre foi um dos grandes objetivos do projeto AF-1. Créditos: Rob Schleiffer via Flickr

O refit estava pronto para testes reais em setembro de 2000, quando pousos simulados, conhecidos como toque e arremetida (touch-and-go), sem uso de ganchos para parada, começaram a ser feitos pelos AF-1/A-4. O primeiro pouso enganchado reconhecido de um AF-1 a bordo do Minas Gerais ocorreu na missão CATRAPO (operações de decolagem com auxílio de catapulta e pouso com aparelho de parada) no dia 13 de janeiro de 2001, pelo Comandante (USN) Daniel G. Canin, um dos adidos militares americanos ao projeto AF-1.

No mesmo dia, foi a vez do Capitão-Tenente Aviador-Naval Fernando Sousa Vilela repetir o feito, tornando-se o primeiro piloto da Marinha Brasileira a pousar um A-4 no porta-aviões.

Outro marco importante foi a primeira operação de lançamento auxiliada por catapulta, que aconteceu em 18 de janeiro, novamente com Daniel Canin. A partir deste momento, o esquadrão VF-1 começaria a obter as últimas certificações necessárias para se tornar elemento integrante da ala aérea da Marinha, atuando de forma embarcada ou da base terrestre de Arraial do Cabo.

Um fato importante da história desses primeiros testes é que a Marinha optou por não operar com os aviões bipostos a bordo do “Minas Gerais” ou qualquer outro porta-aviões futuro, como forma de evitar o desgaste excessivo precoce destas valiosas células.

Assim, apesar do consequente aprimoramento dos pilotos brasileiros na arte de operações em “bases flutuantes”, o aprendizado para os pilotos do VF-1 não havia terminado. Depois dos treinamentos de pouso e decolagem no A-11, se aproximava o momento das operações da unidade se transferirem para NAeL São Paulo (A-12), o mais novo porta-aviões da esquadra, que fora incorporado no serviço ativo da MB ainda no ano de 2000.

Isso significava a necessidade do esquadrão de se adaptar a sua nova casa, bem mais espaçosa e complexa que o antigo Minas Gerais. No entanto, a notícia foi extremamente bem recebida pelos pilotos, que sabiam das limitações do antigo porta-aviões – e que também já haviam compreendido que com o A-11, a unidade jamais teria um efetivo razoável baseado além-mar.

Isso se devia a alguns fatores, entre os quais alguns de ordem logística, visto que o próprio planejamento de treinamento embarcado no NAeL Minas Gerais não previa um programa de qualificação para guarnecimento das funções no Departamento de Aviação, mas apenas um adestramento de embarque, com a experiência de operação dos AF-1; em outras palavras, não havia previsão para se manter uma composição fixa de Skyhawks no Minas Gerais.

Skyhawks A-12
Uma das grandes vantagens do A-12 frente ao Minas Gerais era sua catapulta angular, que tinha capacidade de lançamento de 15 toneladas. Créditos: Rob Schleiffer via Flickr

Segundo, existiam os problemas mais tangíveis, como as próprias limitações mecânicas do A-11, como sua baixa velocidade, que era um problema para os pousos e decolagens dos AF-1, que necessitavam de ventos contrários próximos dos 30 nós para poderem decolar com uma carga de armamentos razoável, além do pouco espaço de armazenamento interno do porta-aviões.

A introdução do São Paulo em serviço prometia sanar todos esses problemas, abrigando um suposto grupo embarcado, que contaria em sua composição, com algo com entre 10-16 AF-1 “Falcões”. No entanto, como viria a ser comprovado nos próximos anos, a expectativa de operação tanto dos AF-1 quanto do NAeL São Paulo ficou bem abaixo do esperado.

ADEUS AO MAR

Pode se dizer que as operações dos AF-1/A-4 no NAeL São Paulo foram marcadas por muitos altos e baixos, que tiveram como baliza inicial o dia 30 de julho de 2001 (operação CATRAPO I), quando o primeiro pouso de um AF-1 se deu no convés da belonave. No dia seguinte, foi a vez da realização do primeiro lançamento de um “Falcão” por catapulta do A-12, também realizado com êxito.

Ao longo dos próximos três anos, as operações dos AF-1 no navio ocorreram com normalidade, sendo gradativamente reduzida a cooperação externa no mantenimento das aeronaves até que todo o processo asse para mãos brasileiras. Além disso, o período foi de extrema valia para os pilotos do VF-1, que puderam operar ao lado de seus semelhantes de outras nações em exercícios militares conjuntos, tais como as operações Brasil-Argentina-Uruguai (ARAEX VI/ URUEX I, 2002) e Brasil-EUA (EX, 2004).

No entanto, esse período prolífico no desenvolvimento da aviação naval brasileira teria um fim brusco em 2005: em 17 de maio, enquanto o navio saia da Baía da Guanabara para exercícios ao longo da costa do Rio de Janeiro, vapor superaquecido do sistema de catapulta vazou, causando um curto-circuito no navio e ferindo dez tripulantes gravemente, além de causar a morte de um marinheiro.

Tal acidente deu a primeira indicação clara ao público de um período turbulento que viria a acometer a arma aérea da Marinha nos próximos anos. No entanto, tais sinais já vinham se materializando desde fins de 2004, quando as próprias promessas sobre os AF-1 e suas operações se demonstravam fora do que antes havia sido estipulado.

Skyhawks A-12
Apesar de seu inestimável serviço nos seus primeiros anos pela MB, o A-12 se revelou posteriormente uma grande dor de cabeça, tanto para a Marinha, quanto para o VF-1. Créditos: S. Odair

Devido ao reduzido número de AF-1/A-4 e sua já nítida obsolescência frente aos modelos de aeronaves operadas por outras marinhas, não é de se surpreender que a taxa de atrito tenha reduzido gradativamente o número de AF-1 sediados no NAeL São Paulo, que quase sempre estavam abaixo da dotação nominal mínima de 10 aeronaves. A rotação dos AF-1 na estação tinha que ser alta, visto o desgaste que as operações em porta-aviões causavam nos valiosos modelos.

Atento a isso, o Alto-Comando da Marinha já havia iniciado estudos para a implementação do Programa de Atualização de Meia-Vida (conhecida pela sigla MLU) para as aeronaves adquiridas entre 1997/98. O projeto inicial previa que doze AF-1 monopostos fossem elevados para o padrão AF-1M, com novos aviônicos e uma revitalização completa da nacele e superfícies de voo.

No entanto, os problemas com o NAeL São Paulo a partir de 2005, e que se estenderam ao longo do resto da vida útil da belonave, engavetaram os projetos iniciais de reforma dos AF-1. A desculpa final residia no fato de que sem um porta-aviões, não haviam razões para a utilização de fundos para a modernização das aeronaves.

Assim, sem sua base marítima e sem modernizações, os AF-1 foram restringidos a voltar a operar somente da BAeNSPA, em São Pedro da Aldeia, em meados de 2005.

UM NOVO FALCÃO RECOBRA OS CÉUS

Os anos de operação do esquadrão VF-1 com os AF-1/1A Falcão demonstraram todas as capacidades do avião no cumprimento de suas missões, que exigiam o máximo das aeronaves. Entretanto, a constante evolução tecnológica dos sensores eletrônicos, armamentos e das táticas reduziu progressivamente a capacidade dos modelos, que se encontravam, no final dos anos 2000, reduzidos a um papel meramente ilustrativo na lista de ativos da Marinha.

Mesmo que pertencentes a um dos últimos lotes A-4 produzidos, os AF-1 eram aeronaves de segunda geração, equipadas com sistemas analógicos de ataque e navegação. Isso contrastava enormemente com outras forças aeronavais, que já tinham em seus arsenais modelos de quarta e até mesmo quinta geração.

Skyhawks A-4
A modernização dos Skyhawks tomou contornos dramáticos no fim dos anos 2000, quando a Aviação Naval urgia por uma imediata atualização dos sistemas de voo dos A-4. Créditos: Marinha do Brasil

Assim, em meados de 2009, a Marinha resgatou a ideia de modernização dos AF-1, inicialmente planejando submeter 12 células ao processo. O contrato para a total reconstrução dos modelos foi assinado com a Embraer, que ofereceu uma proposta semelhante àquela realizada nos F-5M da FAB.

Orçado em US$106 milhões, o acordo entre a Marinha do Brasil e a Embraer Defesa e Segurança extrapolou os valores iniciais orçados pela MB, e, por conta disso, o número de aeronaves modernizadas saiu das 12 originárias para apenas sete.

Os trabalhos se iniciaram em 2010, com a expectativa de conclusão do programa em 2015. No entanto, seria apenas em 2022 que o último modelo modernizado seria entregue à Força Aérea Naval.

O programa “AF-1M” envolveu a instalação de um novo sistema Head-Up Display (HUD) integrado a dois displays multifunção (CMFD), com sistema de navegação inercial e data link, controle de voo tipo alavanca do acelerador e no manche de controle de voo (HOTAS), adoção de um moderno radar pulso-doppler ELTA Systems EL/M-2032, rádios Rohde & Schwarz, receptor de alerta de radar (RWR) da Elbit Systems, além da completa revisão de todos os demais componentes estruturais da aeronave.

Além disso, foi efetuada a retirada dos dois canhões de 20 mm da aeronave, localizados à frente das entradas de ar do modelo, devido a problemas de funcionamento e otimização de peso. Apesar disso, a capacidade de rápida reinstalação dos canhões foi mantida, em caso de necessidade.

Skyhawks A-4
O crepúsculo do Falcão: com a exceção do Brasil, apenas a Argentina continua a operar o A-4, uma aeronave que completa em 2025 74 anos de serviço operativo. Créditos: Marinha do Brasil

Devido a extensiva modernização das fuselagens, os “novos” aviões aram a receber as seguintes designações: AF-1B para os monopostos e AF-1C para as bipostos. No total, o programa contemplou sete aeronaves, sendo cinco atualizadas para o padrão AF-1B e duas para o AF-1C.

Em 2025, a composição do VF-1, que se encontra sediado na base de São Pedro da Aldeia, está constituída em seis aeronaves: quatro AF-1B e dois AF-1C. Um dos AF-1B fora perdido em um acidente aéreo em julho de 2016, um grande prejuízo para a já reduzida unidade aérea.

Apesar disso, a unidade se encontra atualmente em plena atividade operacional, participando ativamente de manobras como a CRUZEX e a Operação Formosa. Sem um substituto imediato à vista, a Marinha espera que os AF-1 continuem voando até 2030, ou seja, mais de 50 anos desde a entrada dos A-4KU originais em serviço, e 30 como elementos onipresentes da Arma Aeronaval Brasileira.

Lorenzo Baer

Autor: Lorenzo Baer

Jornalista de carteirinha, formado pela Universidade Federal de Juiz de Fora. Tem como grandes paixões o esporte e tudo que tenha haver como velocidade – tenha asas (ou não). Se tivesse que escolher um período da aviação para dizer que é seu hobby, e de maneira pretenciosa, especialidade, seria o dos velhos e carismáticos biplanos da Primeira Guerra Mundial.

Categorias: Artigos, Artigos, História, Militar, Notícias

Tags: Marinha Brasileira, Skyhawks

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